quinta-feira, 30 de junho de 2011

A cidade indiferente - Capítulo 5

Voltando ao “presente”. Acredito que agora muitos já conseguem entender o motivo de o povo de sua cidade não mais lhe atribuir nenhuma importância. Contudo, ele continuava ali clamando incessantemente às pessoas:
-OLHEM PARA MIM, OLHEM AS CICATRIZES, AGORA SÃO CICATRIZES, VOCÊS NÃO VÊEM? NÃO ENXERGAM? SÃO LOUCOS?- Continuava emocionado expondo várias marcas em seu corpo. – OUÇAM ESTA MENSAGEM! ELA IRÁ MUDAR A VIDA DE VOCÊS!
- Será que chegará o dia em que a terra o engolirá? Feliz do dia em que isto acontecer, o mundo será um lugar melhor! – afirmavam num tom cético de quem já não mais tem esperanças por um “milagre”. O fato era que ninguém queria ver o tal milagre. Ninguém esperava por ele, por isto de fato não o enxergavam com olhos de quem procura a verdade por trás dos acontecimentos. Diziam muitas coisas a mais. Achavam que o nosso pobre incompreendido era o grande motivo de as coisas por ali não irem tão bem quanto deveriam afinal nosso herói teve o seu passado negro e tentava com todas as suas forças provar o contrário.
Ele olhava as crianças brincando nas ruas lembrava como se fosse ontem o tempo em que brincava com seus amigos, o tempo em que nenhuma cobiça ou vaidade havia invadido seu coração. Alegrava-se por saber que poderia fazer alguma diferença já que estava no caminho certo dessa vez.
- ARREPENDAM-SE, ARREPENDAM-SE JÁ! EU VI! EU O VI! EXISTE UM SÓ DEUS! TUDO QUE EU DIZIA ANTES A RESPEITO DE DEUSES ERA MENTIRA! ELE ME TOCOU, ELE ME TOCOU! – continuava gritando enquanto andava e olhava para os lados à procura de alguém que o ouvisse.
Lá no fundo ele sabia que mesmo que ninguém o ouvisse, a gratidão que habitava no seu novo ser preenchia-o com uma alegria inexplicável de gozo e paz ao mesmo tempo, e saia todos os dias e pregava a mensagem. Mas ninguém lhe dava ouvidos.
Muitas vezes orava: -Deus, será que os pecados do meu passado anularão a Tua mensagem do meu novo ser? Senhor eu não sou digno de me usares, mas por que então mandaste que eu voltasse aqui? Eu poderia ter ido contigo quando tive a chance, mas resolvi te obedecer, e agora o que posso fazer se ninguém me ouve? Mandaste-me de volta para ser humilhado enquanto falo a respeito das coisas que me disseste? - O novo homem era realmente muito temente a Deus e buscava com todas as suas forças ser fiel, mas continuava se sentindo culpado pelas coisas do seu passado.
Sentimento de culpa este que só foi transformado ao encontrar um grupo de três crianças com quem dialogou durante um tempo. Aquele foi o dia em que a obediência começou a fazer um sentido real em sua vida, em que o passado já não lhe pesava mais, e ele contava sua história para as crianças dizendo:
- Bem minhas amadas criancinhas, tudo começou desta forma:

Sinval Guerra

segunda-feira, 27 de junho de 2011

A cidade indiferente - Capítulo 4



A morte de sua mãe o deixara realmente desnorteado. 
       Aproximadamente 2 ou 3 anos depois, nosso herói descobre que seu pai era na verdade um mercenário, assassino de aluguel, e por este motivo sua mãe havia morrido daquela forma, uma espécie de vingança de uma “gangue” inimiga (ou seja lá como eram chamados estes tipos de grupos naquele tempo). A esta altura ele já tinha saído de casa e ido para um templo de uma religião conhecida pela adoração aos seus vários deuses, deixando-se enganar pela cultura destes falsos. Ele estava apenas sendo introduzido à seita.
Com 17 anos recebera a noticia de que seu pai havia sido morto da mesma forma que também sua mãe havia morrido, porém ele mais velho e menos sensível já não possuía mais sentimentos pelas pessoas (e ainda considerava aquilo tudo “maturidade” de sua parte). Esta notícia não abalou nem um pouco suas estruturas, pelo contrário, se existiam resquícios do último laço afetivo humano que ele possuía, era com seu pai, agora, já não havia mais. Não lhe restava mais nada a não ser dedicar-se de corpo e alma ao que realmente lhe interessava: ser o melhor no que fazia.
O tempo ia passando e ele ia se aprofundando cada vez na religião a qual servia. As promoções até os maiores graus iam surgindo numa velocidade espantosa, até que para atingir certo grau era necessária a prática da flagelação. Com todo seu coração envolvido na ambição do reconhecimento não contou esforços e começou a surrar seu corpo. Aquilo ia ficando cada vez pior e em seu corpo se encontravam feridas praticamente necrosadas devido ao constante flagelo.
Achava ele que os deuses se agradavam cada vez mais de sua vida e ia adquirindo um poder sobre-humano de enxergar coisas espirituais, realizar obras de feitiçarias a favor ou contra as pessoas que lhe procuravam. Isto tudo refletia na sua vida financeira, que ia de vento em poupa. Estes tipos de trabalhos eram muito caros e somente o alto escalão tinha condições de pagar por estes serviços.
Com 20 anos já era o grande mestre da religião, e procurado pelos grandes nomes era rico e tinha status, poder político, influência sobre a vida das pessoas. Mas ainda aquilo não era necessário para que ele se sentisse feliz. Haviam dias em que seus deuses lhe pediam coisas absurdas como por exemplo: sacrifícios de crianças e isto lhe deixava bastante insatisfeito portanto ele não obedecia, sendo severamente punido por este tipo de comportamento. Outros como zoofilia e por assim ia, todos os tipos de coisas imundas que se possa imaginar.
Agora nosso protagonista já não mais sabe quem é ele próprio! São tantas entidades dentro de si que o seu verdadeiro “eu” já havia sido mergulhado nas dúvidas, na escuridão de quem já não sabe quem é ou que fazer.
Certo dia passava pela cidade uma pessoa diferente, uma que não era da região. Podia-se notar de longe um brilho nos olhos que a diferenciava de todas as pessoas daquela cidade sombria. Havia algo dentro dela que incomodava nosso herói, como se de alguma forma ele se sentisse ameaçado por tamanha luz. Chegou mais perto e logo suscitou uma ira com desejos sanguinários em seu coração quando ele partiu correndo em sua direção e logo caiu de joelhos ao ver seres de enormes com espadas de fogo e vestes brancas e brilhantes que nunca havia visto em sua vida. Seus olhares brandos transmitiam paz e um calor tão aconchegante que não lhe restara opções a não ser fugir diante de tamanho poder.
Sinval Guerra

sábado, 25 de junho de 2011

A cidade indiferente - Capítulo 3

Bem, para entendermos um pouco mais sobre esta história é necessário fazer uma retrospectiva na vida do nosso obstinado personagem que até então somente é visualizado em seus atos de extravagância, aos berros no meio do povo. E ainda que estivesse falando verdades, era tido como louco, embora não se importasse. A imagem que todos tinham era muito distorcida a respeito do pobre coitado, até mesmo a do leitor deste conto pode ser equivocada, ou cheia de interrogações, mas agora conheceremos um pouco e as dúvidas começarão a cessar.
Como alguns já devem ter percebido, nosso protagonista possui uma característica muito forte: ele era realmente focado em seus objetivos e não importava o que as pessoas achavam ou diziam (ou até pensavam em dizer). Ele era bastante convicto no que trazia em si! Particularidade esta que lhe foi herdada de seus pais, que também possuíam um gênio muito forte, o que não era muito anormal se fôssemos levar em conta o estilo de vida do meio em que eles viviam.
Quando criança não tinha muito contato com seu pai. Ele era muito ocupado com o trabalho e chegava em casa apenas nos horários de refeições e com muita pressa. Lembrava-se de ouvir sua mãe se queixando da falta de tempo e do trabalho de seu cônjuge – Quando isto irá acabar? Quando meu marido terá algum tempo para sua família? – indagava sempre o trabalho de seu marido, embora por algum motivo o filho fosse deixado de lado dessa informação. Quando lhe perguntavam qual o trabalho de seu pai, não sabia responder – Ele faz de tudo, e...eu acho- respondia gaguejando como quem queria mudar de assunto.
Aquela não era uma família muito religiosa e não seguiam padrões de conduta (normalmente as religiões trazem em si parâmetros de conduta que “governam” a vida das pessoas de alguma forma, mas não naquela família, não naquela cidade). Não eram raras as vezes que o garoto ouvia seus pais discutindo durante a noite, mas ainda sim não entendia muito daquilo. Era apenas uma criança inocente e crianças nunca entendem a profundidade dos problemas dos adultos. Talvez seja por isto que elas sejam tão felizes e se contentem em coisas tão simples. Elas são mesmo um exemplo a serem seguidas! E aquele garoto ia crescendo e vendo todo tipo de iniquidade praticada naquele local.
Certo dia, com aproximadamente 11 ou 12 anos mais ou menos, nosso pequeno garoto chega à porta de sua casa e ouve um som de choro lá dentro. Corre depressa e se depara com uma cena terrível que mudaria o curso de sua vida para sempre. Sua mãe estava ensangüentada nos braços de seu pai que chorava como criança com a mão na barriga dela, lugar onde ela tinha tomado uma facada, afirmando: - Isso não vai ficar barato, eles vão me pagar, vão me pagar! – Neste momento sua mãe já estava em seus últimos suspiros, e olhava para ele que estava ali parado em estado de choque. O coração batia quase saindo pela sua boca. A adrenalina em excesso fazia seu corpo tremer como quem aos poucos perde o controle de seu corpo. Ele continuava quase se beliscando na tentativa de acordar e perceber que tudo aquilo não passava de um terrível pesadelo, uma pegadinha sem graça que a sua mente lhe pregava. A morte de sua mãe bem na frente de seus olhos foi realmente fator determinante para os próximos acontecimentos!

Sinval Guerra

quarta-feira, 22 de junho de 2011

A cidade indiferente - Capítulo 2

Aquele lugar era muito parecido com as feiras de hoje: pessoas saíam do interior para suprir suas necessidades de consumo ali, muita gente gritando, muita gente andando, o cheiro forte das comidas típicas sendo feitas na hora (alguns doces de frutas que são envolvidos por folhas, “churrasquinhos” à moda, peixes assando, pães com todos os tipos de formas e tamanhos e até mesmo recheios) abriam o apetite, enfim, um fluxo perfeito do mais pacífico caos. As barracas possuíam um toque único de uma cultura desenvolvida para a época, todas com detalhes peculiares e diferenciados, algumas com cantos arredondados, outras não; algumas feitas em madeira e outras com espécie de metal (que não era tão caro assim), algumas rústicas e outras futurísticas, porém o mais interessante eram os desenhos talhados. Pareciam com animais (alguns juravam que podiam ver leões, tigres, elefantes e camelos), outros pareciam com as ondas do mar, alguns outros com tribais de culturas diferentes, mas todos interessantes em suas especificidades.
Era realmente um lugar muito chamativo. Mágicos se apresentavam enquanto miravam seus sustentos, malabaristas impressionavam o público, músicos tocavam (sim, a música do lugar também era outra coisa rica, que dava um toque todo especial a tudo aquilo). Havia também as mesas de jogos em que os apostadores faziam seu tipo de “maracutaia”. Tudo parecia muito interessante e as muitas “informações” prendiam a atenção de todos. Na verdade existem histórias de pessoas que foram enviadas para fazer as compras de alimentos do mês e se perderam nas tentações das belas propagandas de adornos e utilitários e voltaram para casa sem nada. E como todo lugar onde há jogos, há também aqueles que perderam tudo e hoje mendigam por não mais possuírem bens.
Encontravam-se ali também aquelas pessoas que fazem de tudo para subir na vida, inclusive a contratação de mercenários para o assassinato de quem fosse “pedra no caminho” ou na escada, já que só se falava em “subir degraus”. Esta era uma expressão bastante comum naquela região e falava a respeito de poderio econômico, e consequentemente, poderio político. Nestes(os políticos),  o mau encontrou espaço e se apossou completamente de suas almas. A vida humana era vista somente como mão de obra para quem lhe fosse subordinada e lixo descartável para quem lhe fosse concorrente (inimigo).
Vendo tudo isto com os olhos já não mais vendados pelas mentiras que outrora o cegavam e pelas personalidades que já não mais lhe pertenciam, nosso herói entrava num colapso ao tentar lhes avisar de suas práticas. Era muita informação (e aquilo tudo já lhe era familiar há muito tempo).Porém agora ele enxergava claramente o lado negro das pessoas.Via que o que lhe fora precioso durante todo o tempo já não era mais o motivo de sua existência, e aquilo tinha livrado ele de um fardo pesado. Mas será que ele era o único naquela cidade que conseguia ver isto? Poderia ele ao menos ser ouvido? Ou será que seu passado já o havia mergulhado tão fundo na escuridão que já não havia mais meios para que ele fosse ouvido? Ainda sim, continuava aos gritos, cada vez mais altos, alguns com expressão de choro, alguns com expressão de angustia, mas persistia na certeza da verdade de que havia finalmente se encontrado:
-NÃO ENTENDEM O QUE ESTÃO FAZENDO? OUÇAM-ME.  VOCÊS PRECISAM VER !  PRECISAM VER... PRECISAM ENXERGAR!

Sinval Guerra

segunda-feira, 20 de junho de 2011

A cidade indiferente - Capítulo 1

Bem fiéis seguidores e leitores do blog... começarei hoje uma série de um conto que escrevi semana passada, inspirado por alguns acontecimentos e uma música em especial. Espero que gostem e que a leitura seja prazerosa! Boa leitura a todos!




-PAREM! OUÇAM-ME! POR QUE CONTINUAM ME IGNORANDO? – Gritava desesperadamente um rapaz enquanto rasgava suas roupas num desgosto que parecia tornar a sua alma cheia de temor e tremor pelas pessoas a quem tentava falar. Lançava-se numa mistura de angústia e de anseio por um pouco de atenção. Mas o povo daquela cidade continuava a negociar seus produtos em meio ao comércio com seu comportamento naturalmente indiferente que assustava alguns dos visitantes que por ali passavam e nada sabiam. No entanto continuavam a fazer o que lhes era conveniente, já que ninguém natural do lugar dava atenção para o tal acontecimento.
            -Tirem esse louco daqui! Está atrapalhando tudo outra vez!- Pensavam infelizes enquanto não se davam ao luxo nem de comentar, para que aquilo não tomasse maiores proporções, afinal aquela já não era a primeira vez que este tipo de coisa acontecia com o mesmo sujeito, falando coisas muito parecidas com as de sempre. Mas quem ligava para o conteúdo do que ele falava se o discurso era só parecido ou igual? O esforço para tentar entendê-lo não passava de uma mera perda de tempo, e tempo é dinheiro, então que o tempo seja investido para o que realmente interessa: adquirir riquezas num tempo um tanto difícil, onde quem consegue se virar para comer e vestir bem já é considerado vitorioso, destacado! Não naquela cidade! Aquela era uma cidade rica, portanto ganância pouca era coisa rara. Sempre pensavam no muito, no topo, no mais, e mais e mais... Pensavam no lucro acima de todas as coisas. O que realmente importava naquela sociedade era o poder aquisitivo.
 Havia todos os tipos de pessoas e comerciantes naquele lugar. Lá se comprava ouro, animais, fios de ceda da mais alta qualidade, iguarias. Era realmente um centro comercial da região, e como todos os centros comerciais, havia uma disputa constante que invalidava qualquer tipo de amizade, aliás, vou até mais fundo, impossibilitava qualquer tipo de relação humana. As relações eram muito robóticas, apesar de naquele tempo não existirem robôs. As pessoas se relacionavam somente quando necessário e com uma superficialidade fora do comum, todos isolados em suas bolhas de conveniência procurando seu próprio conforto e satisfação.
E o nosso esperançoso jovem em sua missão colossal parado ali, no meio de tudo aquilo, clamando por um pouco de tempo e atenção, como um pequeno broto de árvore que tenta crescer entre os espinhos acreditando piamente na mensagem que lhe fora confiada. Aquilo tudo o transformara e por que não transformaria também a todos de sua vila? Ele era visionário, não queria apenas que aquelas boas coisas acontecessem em sua vida, queria mais, era ambicioso! Mas era uma ambição completamente diferente da do povo de sua cidade, até mesmo completamente diferente de suas próprias ambições de alguns dias atrás! Aspirava ver todos impactados com aquela nova notícia que poderia mudar o curso do mundo. Era algo tão grande que tremia de pensar em falar aquelas coisas tão complexas e simples ao mesmo tempo. Era realmente muito importante. Cabia a ele anunciar  e tentar mudar a história de “sua casa”.

Sinval Guerra

terça-feira, 7 de junho de 2011

Ode a ela


Não amo-te desinteressadamente
Interessa-me a tua companhia
Não amo-te desintencionalmente
Intenciono ver-te feliz em teus lindos risos
Não amo-te desesperadamente
O desespero traz em si o egoísmo
Não amo-te desordenadamente
Na bagunça não se encontra o que se deseja
Não amo-te incondicionalmente
Só o amor de Deus o é
Não amo-te só emocionalmente
A paixão é uma irônica donzela que vai e vem quando bem entende
Não amo-te só racionalmente
É inegável que a constante saudade seja emocional

Amo-te pacientemente
Como quem espera a primavera
Amo-te simplesmente
Como estas simples palavras que escrevo
Amo-te amadamente
Amo-te
Amo-te

Sinval Guerra

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Perdoar ou curar?




O dissabor inexplicável era constante enquanto as pessoas me olhavam com um olhar de falsa comiseração, como quem dizia: “Olha só, aquele que outrora era alguém, agora é só um aleijado!”... pois é, “agora é só um aleijado”! Era exatamente a isso que se resumia a minha vida enquanto eu acreditava ser esta a minha verdadeira sina, após ter perdido a capacidade de andar numa trágica situação. Mas nem tudo era tão ruim, na verdade existiam quatro bons motivos para que meus dias fossem menos difíceis, quatro amigos que desde a minha infância me acompanhavam, e não me deixaram sequer um dia de lado, por minhas limitações! Éramos tão felizes enquanto crianças. Subíamos nas arvores, pulávamos nos rios, corríamos alegres enquanto os problemas ainda não nos alcançavam.
Certo dia chegaram lá em casa, com um plano meio maluco, dizendo que havia um homem a quem acreditavam ser o tão esperado Messias. Disseram que ele tinha o poder para me curar, logo pensei: “ele realmente tem o poder de curar? Como poderei encontrá-lo? É loucura! Prefiro me abster de falsas esperanças!”. O ceticismo já havia criado raízes em minhas convicções, e eu aceitara que meu pobre destino era realmente padecer no alento com remorsos e lembranças de dias melhores, apenas aquilo.
O grande dia chegou, vieram então meus amigos e me carregaram no leito até onde estava um sujeito chamado Jesus, que havia nascido em Nazaré, mas pensava eu: “que boa coisa pode sair de Nazaré?”. Logo vi que multidões o cercavam, e me maravilhei com as boas coisas que ouvia a seu respeito, palavras que ascendiam minha esperança como uma pequena brasa que com a ajuda vento se transforma em labareda, mas logo comecei a resmungar atormentado por outra inquietação: “Como chegarei ao mestre se tanta gente o cerca? É melhor voltarmos para casa”. Não deram ouvidos às minhas lamentações, estavam bolando algum plano engenhoso enquanto sorriam e olhavam para mim... a uma altura desta a curiosidade para ouvir o que se passava na rodinha já havia inundado minha mente, quando disseram: “- Eu conheço esta casa, no teto dela há um buraco – (iam dizendo enquanto eu me assustava com suas mentes criativas) – Nós amarraremos cordas no seu leito, uma em cada ponta... te desceremos até lá, e então o Rabi irá curar-te!”. “- Meu Deus, quão loucos vocês conseguem ser?” – respondi enquanto meus olhos enchiam-se d’água em ver o esforço de cada um deles.
Dito e feito! Mas chegamos então à parte mais importante da minha história... quando me desceram até o local o mestre sorriu para mim então virou-se e disse aos que lá estavam: “O que é mais difícil, quem irá me responder: Perdoar ou curar?” Enquanto o silêncio tomava conta da sala, ele novamente olhou para mim, com um olhar de afeto e disse: “Perdoados estão os teus pecados, toma a tua esteira, e vai para tua casa!” E de repente os movimentos foram voltando em segundos, foi como se eu nunca  os tivesse perdido. Mas muito mais importante que aquilo, algo mudou em meu interior, algo que me fez acreditar mais na intimidade do Deus dos meus Pais, aquele homem realmente era o filho de Deus enviado ao mundo.
Mas ainda sim uma pergunta ecoou e perdurou-se em minha mente por um longo tempo. Só consegui obter a resposta depois de anos, por que ele não simplesmente disse que fosse curado e tomasse meu leito como foi com todas as outras pessoas? Por que ele perdoou os meus pecados e isso me curou? A resposta chegou quando o vi pendurado naquela cruz, todo ensangüentado e quase morrendo, foi ali que entendi que curar era muito simples pois ele tinha o poder para operar não somente isto, mas coisas muito maiores, mas para que meus pecados fossem perdoados, ele precisara se entregar como um cordeiro, o cordeiro de Deus. Precisou carregar a cruz após ser espancado. Que trouxe a redenção dos meus pecados e me libertou de muito mais do que apenas a limitação física, mas libertou-me de mim mesmo, e me fez um só com o Pai. Agora sim eu entendo que perdoar-me custou-lhe seu sangue vertido naquele calvário.  (Texto inspirado por Mateus 9)


Sinval Guerra