- Eu já havia me perdido completamente dentro de mim. Os deuses a quem eu servia me possuíram ao ponto de não deixarem mais eu me governar. Eu apagava durante e dias e perdi as contas de quantas vezes me encontrava nu, ensangüentado e cheio de feridas... As pessoas ao me verem na rua desviavam seus olhares enquanto eu sentia o cheiro do medo no ar por onde passava. Não entendia muito bem o porquê daquilo tudo no início, somente sabia que quem havia feito o que quer que fosse não era eu mesmo. – Contava desabafando por finalmente encontrar alguém disposto a ouvir a sua história.
- Depois um tempo, conseguia de uma forma que eu não sei explicar, ver o que eles faziam enquanto eu me assistia de camarote no meu interior, como quem assiste uma cena em terceira pessoa, sentindo os calafrios malignos que tudo me causava. Eles me levavam até o cemitério e muitas vezes até comiam a carne dos mortos lá. As pessoas da cidade até tentavam me prender, mas aquela força absurda quebrava os grilhões e as correntes.
- Eles batiam nas pessoas que passavam por onde estávamos. Faziam até pior! Eram tantos que muitas vezes brigavam entre si para tomar o controle do meu corpo e eu nada podia fazer a não ser sofrer o impacto no corpo carnal da força espiritual que não sabia explicar, até que aceitei: aquele era meu destino!
Os jovens estavam vidrados e assustados como quem assiste a um filme de suspense e terror, curiosos para saber o que acontecera e transformara de verdade a vida daquele sujeito que não aparentava ser mesmo sujeito da história. Sua voz era serena, os olhos firmes e pacíficos, sua expressão de alguém que realmente foi alcançado por algum tipo de redenção. O homem que estava na frente deles era uma figura um tanto diferente de todas as demais da cidade. Era algo que eles não sabiam explicar, algo que saía do interior e refletia no exterior.
-Nossa! Esse era mesmo você? Estes seres eram tão poderosos assim? Parece uma história de terror!
-Sim! - respondeu quase rindo das expressões dos jovens –, Este era realmente o meu velho eu, acreditem! Até que certo dia eu avistei um barquinho bem longe, não liguei e continuei fazendo sei lá o quê. Revirando sepulcros, eu acho! Quando o barco chegou por ali, um homem desceu e havia uma luz e um calor que emanava de forma sobrenatural, lembrei-me do episódio dos gigantes com espadas de fogo que havia visto um tempo atrás. Os deuses dentro de mim me levaram a correr desesperadamente ao seu encontro e dizer-lhe: “Que temos nós contigo, ó Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Vieste aqui atormentar-nos antes do tempo?”. Ao dizerem isso todos tremiam de medo dentro de mim num desespero assombroso, embora eu ali perdido no meio de todos eles sentisse uma coisa diferente do que já havia sentido em toda minha vida.
- Então Jesus perguntou: “qual o teu nome, espírito imundo?”, “Legião, somos muitos”- Responderam eles enquanto rogavam que Jesus não lhes mandasse para fora do país. “Se nos expeles, manda-nos para aquela manada de porcos bem ali”. Eu estava claramente assustado. Nunca havia visto tamanha autoridade em minha frente. Como poderiam eles que se achavam donos de tudo e de todos; que faziam o que bem entendiam, pedir a permissão daquele homem para fugirem para uma manada de porcos? Não eram deuses de verdade! Aquele que estava à minha frente sim!
-Quando Jesus permitiu, eles saíram e entraram em cerca de 2 mil porcos, que se atiraram do precipício e morreram todos. Logo toda a cidade de Gadara ficou sabendo e muitos vieram ao encontro de Jesus, viram que eu estava são e vestido e não se alegraram pela minha recuperação, antes, pediram que Jesus fosse embora dali porque estavam preocupados com o prejuízo dos porcos. Pediram ainda que eu fosse com Jesus, e eu até queria, mas Jesus mandou que eu voltasse para casa e anunciasse as coisas que ele fizera comigo.
-Mas e agora? Ninguém em Gadara lhe ouve, o que você vai fazer? – perguntavam as crianças curiosas para saber qual o próximo passo do novo homem reformado por Deus.
-Eu só estava aqui direcionado por Deus para que a mensagem do evangelho alcançasse vocês três minhas criancinhas. Permitam que Deus faça com vocês o mesmo que fez comigo. Deus havia me dito que eu ficasse aqui até quando alguma pessoa parasse e me ouvisse, afirmando que aquelas poucas pessoas fariam uma grande diferença no futuro, e estas pessoas são vocês! Alegro-me em meu sentimento de tarefa cumprida, e agora, sob o direcionamento do Altíssimo, irei para Decáp
olis pregar as boas novas do Senhor Jesus.
E partiu dali.
Sinval Guerra